O quartinho e o cantinho

Tudo começou num domingo às 10 horas da manhã. Fui para o terraço onde existem dois quartos e fiquei no quarto da bagunça. Sentei-me na cadeira do velho, peguei o meu cachimbo e comecei a fumar.

Logo percebi uma energia diferente, seguida de um arrepio que subiu pela minha espinha, então, a presença de uma pessoa se fez intensa. Senti sua chegada e vi quando ela sentou-se ao meu lado, num banco próximo, e com seu cachimbo aceso começou a falar comigo:

- Eu sou seu avô por parte de pai e trabalhei nesta terra fazendo a caridade espiritual durante 50 anos. Não tive filhos de santo, não tive terreiro, trabalhava sozinho com meus guias. O responsável pelos trabalhos espirituais era o Capitão Tranca-Rua das Sete Encruzilhadas, meu amigo e conselheiro.

E continuou o velho Oscar:

- Antes do meu desencarne deixei para cada um dos meus sete filhos um instrumento que eu utilizei nas minhas giras nesta terra. Este gesto foi para demonstrar e provar a continuidade da minha missão neste plano que ainda estava por vir.

Ouvia atentamente aquelas palavras e ele prosseguiu:

- Por muitos anos, após a minha passagem, estive no plano espiritual negociando o meu retorno nesta terra com um objetivo principal: montar um gongá para um ser que ainda iria encarnar. Só que não era tão simples. Até o retorno desta pessoa, e mesmo após seu reencarne, era preciso preparar o terreno e iniciar os trabalhos para que, no tempo certo, ela pudesse assumir a responsabilidade confiada pelo plano espiritual. Mas para isso, meu filho, eu precisava de alguém que pudesse transmitir o necessário, não importando o que viesse a acontecer no caminho, e que fizesse isso com compromisso, responsabilidade, amor e sem pensar em desistir. Por isso, Roberto, eu escolhi você: sangue do meu sangue; neto que pelas minhas mãos veio ao mundo. Você, meu neto, foi escolhido para que eu pudesse retornar a esta terra através da sua cabeça e do seu corpo e iniciasse os trabalhos nesse novo e diferente gongá. Um gongá que não será para você, mas para ser administrado por seu neto, este que nasceu primeiro.

Ao terminar estas palavras, o velho Oscar pediu-me para colocar a imagem de nossa senhora, já existente no quarto, no alto de uma estante e acendesse uma vela de sete dias. Depois disso falou para que eu deixasse a espiritualidade tomar conta dos acontecimentos, pois estaria naquele momento, abrindo os trabalhos do Cantinho de Vovô Oscar de Aruanda e, para tanto, era necessária a presença de alguns companheiros espirituais.

Fiquei perplexo. Suava muito, estava gelado e pela primeira vez, sem estar incorporado, eu estava participando de tudo: vendo, conversando, escutando e aprendendo.

O velho rezou uma Ave Maria e um Pai Nosso, e logo apontou para porta dizendo:

- Veja meu filho. No plano Espiritual o gongá já estava montado e foi batizado pelos 7 frades que aqui vêm para conhecer você. Eles são os responsáveis pela parte espiritual e pela caridade.

E, um por um, os 7 frades entraram no quarto. Cada um que entrava, num gesto cordial e humilde, se curvava perante o velho e a mim. Sorridentes, mas austeros falavam em italiano, eu não entendia nada, mas o velho respondia a eles.

Após os sete frades, adentrou o recinto uma mulher de luz intensa e exuberante, vestida com uma armadura prateada e uma espada enorme toda iluminada. Para minha surpresa, o velho a chamou de Joana D´arc. Ela simbolizava a justiça, a honestidade e a força.

De repente eu vi uma linda morena com cabelos longos e perguntei de imediato se seria Iemanjá, e foi confirmado pelo velho dizendo que a mesma estava ali para representar a força das águas e as lágrimas das mães.

Momentos depois surgiu um soldado com uma enorme armadura prateada, que logo o velho me disse ser Ogum, que se apresentava em duas formas: Ogum General, como representante dos exércitos de luz e vencedor de demandas e Ogum de Ronda, vindo na vibração de Xangô, da justiça, vitorioso com suas machadinhas.

E foram aparecendo meus guias: como é gorda a Vovó Berenice, preta, bem pretinha, de roupa branca e preta, que delicia ver esta velha; Tupynambá de cara amarrada, com um cocar com penas verde, branca vermelha e amarela, que força; Ricardinho, com seu pirulito enorme, fazendo mandinga como gente grande; que linda moça de vermelho com um cigano chamado de Wladimir Valtrock com um charme incomum.

O último foi o Capitão - de terno preto, camisa branca, cinta vermelha, cavanhaque, cartola preta com laço vermelho, uma bengala de madrepérola - que vinha rodando e cantando seu ponto.

Quando todos estavam dentro do quartinho, num silêncio total, o velho Oscar pediu a vibração de todos e disse:

- “CECVOA” será o nome desta casa, firmada aqui neste pequeno quartinho, cheio de pó, desarrumado, sujo, mas com toda a força e luz de nosso pai.

E logo em seguida, para completar meu espanto, foram surgindo velas e mais velas do nada, iluminando todo aquele quartinho. Pareciam estrelas no céu de tão brilhantes. E de repente o velho incorporou no meu corpo, e riscou o ponto da casa com muita firmeza e muita felicidade - e que felicidade - que pude sentir na minha alma.

Fiquei muito tempo em silêncio e ainda vi os votos de segurança informados pelos frades. E assim ocorreu até que todos foram saindo e sumindo pela porta do quartinho.

Se esqueci algum detalhe, me desculpem, mas estava muito emocionado ao ver e sentir aquelas energias que eu nunca tinha sentido outrora: um outro mundo repleto da vibração divina.

E ali, naquele dia, tive a certeza de que estava firmado um novo gongá.

Beijo no coração,
Roberto Camões

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